segunda-feira, 11 de maio de 2009




Nadar sem raia ou navegando perto dos ventos


Experimentar algo, sentir na pele, parece mesmo ser aquilo que faz uma idéia mudar de estado. Passar de uma forma funcional de inconsciente para consciente.
Podemos informar, trazer a luz da consciência de forma didática, mas isso só não basta, pois, o conhecimento informado, um a mais, soma, mas não transforma.

“A lição sabemos de cor, só nos resta aprender”, diz a letra da música de Beto Guedes.
No contexto da música, não me recordo qual seria a lição decorada. Porém, o pequeno trecho, me serve para ilustrar esse saber que só a vivencia pode trazer, virar experiência de vida. Afinal, não é uma análise uma experiência de vida? Uma experiência assistida e com inúmeras particularidades, mas por ser experimentada, sentida na pele, é que tem algum efeito.
Para ilustrar a construção do meu conhecimento e ilustrar da melhor forma possível o que me ocorre quanto a formação em psicanálise (momento que vivo) tratarei de dois extremos, serão as raias do meu texto e me ajudarão a nadar em linha reta buscando ser o mais claro possível e melhor transmitir como tenho entendido a construção do conhecimento psicanalítico.
De um lado vou utilizar um psicanalista teórico, estritamente teórico e que talvez nem encontremos de fato e se assim o for tomo a liberdade da ficção como auxílio. Um que se interessou em "saber a lição".
Vale lembrar a posição de Freud, ele elaborava a teoria através da prática fosse com sua intitulada e polêmica auto-análise ou na clínica e a revisou até a morte, sem medo de ser feliz. E que não se entenda com isso uma apologia a balburdia, mas quem sabe um convite à reflexão. Claro que nós, os "iniciados" sabemos o quão Freud ansiava pelo reconhecimento de sua obra, porém isso não o conduzia a atitudes irresponsáveis com relação à construção de sua ciência. Tinha com certeza direito a sua loucura neurótica, mas evitava se confundir a dos pacientes.
Os anos se passaram, a obra psicanalítica cresceu, muito se praticou, muitas direções, muito fracionamento classificatório dos sofrimentos psíquicos. Eles se tornaram "populares", por vezes muletas a nossa racionalidade, assunto de revista semanal e telenovelas. Com a internet é fácil encontrar um teste que diga o que você tem, um diagnóstico partindo de um comportamento catalogado. Tudo isso, claro, com um viés psiquiátrico, neurológico com a busca de talvez, com tudo explicadinho encontrarmos a paz. Agrada-se assim o público cada vez mais apenas um consumidor e a indústria que em suas diversas facetas se fortalece.
Enquadrando-se em algum número estatístico, seja com a pior das doenças psiquiátricas, dá-se nome aos bois e sente-se assim menos estranho a algum rebanho, menos estranho a esse outro diferente, menos estranho segundo as "leis vigentes", ou as que são válidas naquele momento, e por isso as leis que vigiam e que por fim vão sempre ajudar a fortalecer a resistência, aquilo justamente que deveria ser trabalhado.
Devido a esse natural acumulo de "conhecimento" na biblioteca dos sofrimentos psíquicos é que estamos falando desse possível psicanalista teórico. Claro que encontramos nele uma prática também. A prática da leitura, indispensável claro, mas estudar não basta, por vezes, apenas faz crescer idealizações que o distanciarão de se descobrir desejante, independente do desejo do outro. Entendo que seja salutar à construção do conhecimento, mas exemplos e metáforas não poderiam substituir o principal. Navegar perto dos ventos fortes que encontramos ao reconstruir nossa subjetividade para, então, aprendermos a nadar sem as raias.
Talvez o grande ensinamento da metapsicologia seja esse: nos deixar na dúvida, na falta, na incerteza. Seria idealização imaginar que Freud sabiamente queimou partes de sua obra no intuito de ensinar aos póstumos como conviver com a falta e seria mais sensato pensar que isso fala da sua neurose, o retorno do recalcado talvez. O fato é que me serve de exemplo para esse aprendizado de conviver com o "buraco".
Se opondo aos profícuos escritos teóricos da psicanálise por vezes podem aparecer na clínica observações reducionistas, simplistas, como por exemplo: o comedor compulsivo tem um buraco, sente um grande vazio em sua existência e tenta tapá-lo preenchendo-o com a comida. Pergunto-me: E daí? De que serve isso?
O psicanalista teórico, que feito um de “comedor compulsivo” come a teoria pode limitar-se na clínica, tampar as descobertas do analisando (por vezes até as próprias), “obturar” sua história.
A reconstrução da subjetividade na clínica deve aparecer como descobertas do analisando e ligadas a sua história. Fazer uso da linguagem em prol do seu desejo. Dentro do contexto (para não me parecer com o que vinha criticando) abrir a boca para dizer não. Quem sabe um dia possa até escutar dessa boca, mas que parta dela, a observação de que sentia um vazio com o qual não sabia lidar, agora eu sei, aprendi.
Para terminar vale lembrar que em se tratando de tapar buracos o tripé na formação de um psicanalista não será capaz de fazê-lo e seremos como todos, incompletos.
Psicanalistas incompletos, mas que valorizam a importância do tripé em sua formação.
Gustavo Florencio Fernandes