Nadar sem raia ou navegando perto dos ventos
Podemos informar, trazer a luz da consciência de forma didática, mas isso só não basta, pois, o conhecimento informado, um a mais, soma, mas não transforma.
“A lição sabemos de cor, só nos resta aprender”, diz a letra da música de Beto Guedes.
No contexto da música, não me recordo qual seria a lição decorada. Porém, o pequeno trecho, me serve para ilustrar esse saber que só a vivencia pode trazer, virar experiência de vida. Afinal, não é uma análise uma experiência de vida? Uma experiência assistida e com inúmeras particularidades, mas por ser experimentada, sentida na pele, é que tem algum efeito.
No contexto da música, não me recordo qual seria a lição decorada. Porém, o pequeno trecho, me serve para ilustrar esse saber que só a vivencia pode trazer, virar experiência de vida. Afinal, não é uma análise uma experiência de vida? Uma experiência assistida e com inúmeras particularidades, mas por ser experimentada, sentida na pele, é que tem algum efeito.
Para ilustrar a construção do meu conhecimento e ilustrar da melhor forma possível o que me ocorre quanto a formação em psicanálise (momento que vivo) tratarei de dois extremos, serão as raias do meu texto e me ajudarão a nadar em linha reta buscando ser o mais claro possível e melhor transmitir como tenho entendido a construção do conhecimento psicanalítico.
De um lado vou utilizar um psicanalista teórico, estritamente teórico e que talvez nem encontremos de fato e se assim o for tomo a liberdade da ficção como auxílio. Um que se interessou em "saber a lição".
De um lado vou utilizar um psicanalista teórico, estritamente teórico e que talvez nem encontremos de fato e se assim o for tomo a liberdade da ficção como auxílio. Um que se interessou em "saber a lição".
Vale lembrar a posição de Freud, ele elaborava a teoria através da prática fosse com sua intitulada e polêmica auto-análise ou na clínica e a revisou até a morte, sem medo de ser feliz. E que não se entenda com isso uma apologia a balburdia, mas quem sabe um convite à reflexão. Claro que nós, os "iniciados" sabemos o quão Freud ansiava pelo reconhecimento de sua obra, porém isso não o conduzia a atitudes irresponsáveis com relação à construção de sua ciência. Tinha com certeza direito a sua loucura neurótica, mas evitava se confundir a dos pacientes.
Os anos se passaram, a obra psicanalítica cresceu, muito se praticou, muitas direções, muito fracionamento classificatório dos sofrimentos psíquicos. Eles se tornaram "populares", por vezes muletas a nossa racionalidade, assunto de revista semanal e telenovelas. Com a internet é fácil encontrar um teste que diga o que você tem, um diagnóstico partindo de um comportamento catalogado. Tudo isso, claro, com um viés psiquiátrico, neurológico com a busca de talvez, com tudo explicadinho encontrarmos a paz. Agrada-se assim o público cada vez mais apenas um consumidor e a indústria que em suas diversas facetas se fortalece.
Enquadrando-se em algum número estatístico, seja com a pior das doenças psiquiátricas, dá-se nome aos bois e sente-se assim menos estranho a algum rebanho, menos estranho a esse outro diferente, menos estranho segundo as "leis vigentes", ou as que são válidas naquele momento, e por isso as leis que vigiam e que por fim vão sempre ajudar a fortalecer a resistência, aquilo justamente que deveria ser trabalhado.
Devido a esse natural acumulo de "conhecimento" na biblioteca dos sofrimentos psíquicos é que estamos falando desse possível psicanalista teórico. Claro que encontramos nele uma prática também. A prática da leitura, indispensável claro, mas estudar não basta, por vezes, apenas faz crescer idealizações que o distanciarão de se descobrir desejante, independente do desejo do outro. Entendo que seja salutar à construção do conhecimento, mas exemplos e metáforas não poderiam substituir o principal. Navegar perto dos ventos fortes que encontramos ao reconstruir nossa subjetividade para, então, aprendermos a nadar sem as raias.
Talvez o grande ensinamento da metapsicologia seja esse: nos deixar na dúvida, na falta, na incerteza. Seria idealização imaginar que Freud sabiamente queimou partes de sua obra no intuito de ensinar aos póstumos como conviver com a falta e seria mais sensato pensar que isso fala da sua neurose, o retorno do recalcado talvez. O fato é que me serve de exemplo para esse aprendizado de conviver com o "buraco".
Se opondo aos profícuos escritos teóricos da psicanálise por vezes podem aparecer na clínica observações reducionistas, simplistas, como por exemplo: o comedor compulsivo tem um buraco, sente um grande vazio em sua existência e tenta tapá-lo preenchendo-o com a comida. Pergunto-me: E daí? De que serve isso?
O psicanalista teórico, que feito um de “comedor compulsivo” come a teoria pode limitar-se na clínica, tampar as descobertas do analisando (por vezes até as próprias), “obturar” sua história.
A reconstrução da subjetividade na clínica deve aparecer como descobertas do analisando e ligadas a sua história. Fazer uso da linguagem em prol do seu desejo. Dentro do contexto (para não me parecer com o que vinha criticando) abrir a boca para dizer não. Quem sabe um dia possa até escutar dessa boca, mas que parta dela, a observação de que sentia um vazio com o qual não sabia lidar, agora eu sei, aprendi.
A reconstrução da subjetividade na clínica deve aparecer como descobertas do analisando e ligadas a sua história. Fazer uso da linguagem em prol do seu desejo. Dentro do contexto (para não me parecer com o que vinha criticando) abrir a boca para dizer não. Quem sabe um dia possa até escutar dessa boca, mas que parta dela, a observação de que sentia um vazio com o qual não sabia lidar, agora eu sei, aprendi.
Para terminar vale lembrar que em se tratando de tapar buracos o tripé na formação de um psicanalista não será capaz de fazê-lo e seremos como todos, incompletos.
Psicanalistas incompletos, mas que valorizam a importância do tripé em sua formação.
Psicanalistas incompletos, mas que valorizam a importância do tripé em sua formação.
Gustavo Florencio Fernandes