quinta-feira, 25 de novembro de 2010


Desbravando os caminhos da Psicopatia

Há cerca de um ano, postei um texto neste mesmo espaço, onde falei sobre os “Caminhos da Psicopatia”.
O tema seguiu em minha mente e no último dia 10, após ser convidada a participar da Jornada de Estudos Psicodinâmicos da Unianchieta, voltei a mergulhar uma vez mais nos estudos sobre esta intrigante psicopatologia.
Conceitualizar a Psicopatia é realmente uma grande empreitada.

A Psicopatia, também conhecida como Sociopatia, tem sido associada ao protótipo do assassino em série, porém, nem todos os assassinos são psicopatas e nem todos os psicopatas chegam a ser assassino.
Descrita como um distúrbio mental grave, a psicopatia se caracteriza por um desvio de caráter, frieza, insensibilidade aos sentimentos alheios, manipulação, egocentrismo, falta de remorso e culpa. Sua vida afetiva é pobre e impessoal, são equilibrados e descontraídos em muitas situações nas quais qualquer outro estaria normalmente tenso e ansioso. Geralmente se apresentam como pessoas charmosas, eloqüentes, envolventes e sedutores. Caso sejam desmascarados em algum ato ilícito ou alguma mentira, não demonstram qualquer vergonha ou constrangimento.
Ao contrário, os psicopatas são extremamente hábeis para inverterem situações, ou seja, quando são pegos em algo ilícito recorrem rapidamente ao lugar vitimado e tratam a certeza como se fosse dúvida, o justo como se fosse injusto e a verdade como se fosse mentira. As regras e a leis sociais não despertam nos psicopatas qualquer inibição. Outra característica muito comum em indivíduos com este transtorno é a intolerância a frustrações - este talvez seja o único motivo que os faça chorar de verdade.
Esses indivíduos não são considerados loucos, nem apresentam qualquer tipo de desorientação. Também não sofrem de delírios ou alucinações, como na esquizofrenia e tampouco apresentam intenso sofrimento psíquico como os neuróticos. Ao contrário disso, seus atos criminosos provêm de um raciocínio frio e calculista.

Bem, até aqui procurei traçar as características da psicopatia, acerca da descrição dos sintomas. Porém, o que pensar quanto à etiologia, ao desenvolvimento e ao prognóstico desta intrigante psicopatologia?
Os termos “psicopatia”, “sociopatia” ou “transtorno de personalidade anti-social” são raramente utilizados em psicanálise. Na perspectiva psicanalítica, uma pessoa psicopata é uma pessoa perversa.
Tomo aqui como referência os estudos de Otto Kernberg, psiquiatra e psicanalista austríaco, que dividiu as manifestações perversas, sob o ponto de vista psicoestrutural, onde a Psicopatia é definida como uma das manifestações da perversão no âmbito social. Descrita por muitos autores como perversão de caráter.
As estruturas mentais do psicopata e do psicótico estariam muito próximas, com a diferença que o psicótico abandonou as relações com os objetos reais, criando através das alucinações uma “nova” realidade; enquanto o psicopata as manteve, mas com caráter muito particular. Pode haver também uma confusão entre o neurótico e o psicopata em função da atuação, na qual os sintomas comportamentais de agressividade e anti-sociais são comuns. Daí o cuidado que devemos ter na compreensão e exploração dos comportamentos anti-sociais apresentados, antes da classificação diagnóstica, uma vez que vários quadros clínicos podem apresentar características anti-sociais.
O psicopata propriamente dito, tem como característica primordial uma incapacidade de sentir culpa e remorso.
Assim, para reconhecer a psicopatia é preciso avaliar a existência ou não de uma instância moral ou de valores para o próprio sujeito. Ou seja, como ele se coloca (ou não) a questão de um compromisso com alguma lei internalizada.
Chegamos aqui no momento de falarmos do superego, um conceito determinante para entendermos a psicopatia.

Segundo Freud, a formação do superego é correlativa do declínio do complexo de Édipo: a criança, renunciando à satisfação de seus desejos edipianos marcados pela interdição, transforma o seu investimento nos pais em identificação com os pais.
Em “O Ego e o Id” de 1923, Freud dirá: “e aqui temos essa natureza mais alta, neste ideal do ego ou superego, o representante de nossas relações com nossos pais. Quando éramos criancinhas, conhecemos essas naturezas mais elevadas, admiramo-las, tememo-las e, posteriormente colocamo-las em nós mesmos”.
Assim, o superego é o resultado dos valores morais, éticos e sociais que herdamos dos nossos pais, quando da dissolução do complexo de Édipo. O que ocorreu na formação do superego do psicopata?
O curso regular do seu complexo de Édipo não aconteceu, o sujeito não ascendeu às fases do desenvolvimento da libido no sentido de fazer investimentos em objetos externos. Trata-se de uma problemática em torno do Narcisismo.
O psicopata possui uma falha na formação superegoica; ele reconhece a realidade, sabe que seus atos poderão prejudicar o outro, mas tem um código moral falho. Ele tem uma pobreza do mundo de fantasias, por isso recorre ao ato. Ao invés de pensar e fantasiar ele age.
O psicopata não se considera uma pessoa doente, portanto ele raramente busca ajuda. Quem geralmente nos procura nos consultórios não são os psicopatas, mas algum familiar que sofre as conseqüências dos atos psicopáticos, ou alguém que com ele se envolveu e geralmente saiu profundamente lesado, seja psiquicamente, financeiramente ou mesmo fisicamente.

Como falei anteriormente, o psicopata nem sempre é assassino, violento ou mesmo assustador. . .
Dentro desta psicopatologia temos um espectro que vai desde casos mais graves e agressivos, onde houve maior prejuízo do superego, até um grau mais atenuado onde aparecem graus variados de manifestações psicopáticas. Surge aí o psicopata do tipo “passivo-parasita” como definiu Kernberg. São sedutores, simpáticos, geralmente com uma história vitimada e triste para contar e comover a todos. Adoram presentear e elogiar e quando menos se espera aplicam seus botes. Nesses casos, as verdadeiras vítimas freqüentemente se questionam quanto a sua responsabilidade sobre a situação, pois tardam a reconhecer que foram enganadas e ludibriadas.
O psicopata seduz não apenas pela voz doce ou pelo olhar vitimado, mas também e principalmente, pela ousadia com que burlam a lei. Pela ousadia com que nos deixam acreditar que tudo é possível. Frente a eles nos vemos paralisados e até mesmo, porque não dizer, admirados. Afinal, para nós, simples neuróticos, seria impossível prejudicar outra pessoa sem experimentarmos culpa e um tremendo remorso, ao contrário do psicopata, que se posiciona livremente em relação às regras morais e sociais.
Felizmente sentimos culpa! Porque é este sentimento que nos mostra até onde podemos ir, que há limites e há leis a serem seguidas. E que temos estruturado um superego que funciona como mediador entre nossos impulsos mais intempestivos e a realidade.

O psicopata é quem não tem culpa! O psicopata é quem não se reconhece doente e é ele quem não busca análise!


Edilaine Bronzeri Pugliese
Psicanalista