segunda-feira, 27 de julho de 2009

Caminho das Psicopatias*

“Ele será sempre enganado mesmo, então que seja por mim!...” O que levaria uma pessoa a pensar desta maneira e a se relacionar assim com as outras? Um tema sempre atual e presente nas tramas de nossas telenovelas, que levam diariamente um grande número de telespectadores fiéis e, porque não dizer, ansiosos por assistirem os desfechos inusitados de seus personagens favoritos.

Trata-se dos caminhos percorridos pelos “vilões” das tramas. A personalidade de tais vilões tem gerado maior interesse e atenção do telespectador do que o próprio par romântico da história. Ardilosos, simpáticos, meigos e altamente convincentes, os vilões das teledramaturgias não usam nada além das palavras, das ”caras e bocas” para atingirem seus objetivos. Não lutam, não batem, não xingam e raramente se exaltam nas conversas. Parecem altamente equilibrados e até sensatos, porém assistimos a cada capítulo, o resultado da manipulação sórdida que exercem sobre os demais e dos ganhos que obtém com isto.
Quem de nós não parou ao menos 5 minutos para assistir boquiaberto a rapidez com que a personagem Flora, interpretada por Patrícia Pillar na novela “A Favorita”, transformava-se de uma pobre vítima em uma inescrupulosa vilã? Atualmente, a nova trama Global tem trazido às telas da tv, uma vez mais, a questão da Psicopatia através da personagem Yvone, interpretada pela atriz Letícia Sabatella em “Caminho das Índias”.


A psicopatia é um distúrbio de personalidade que afeta o sujeito diretamente em seu relacionamento social, por isso é também definido em alguns manuais de Psicopatologia como Sociopatia.
O psicopata é um grande dissimulador daí saber reconhecê-lo é tarefa extremamente difícil. Entendem muito bem o fato, mas não se importam, é como se os processos emocionais fossem para eles uma segunda língua. Podem entender o que os outros sentem do ponto de vista intelectual, uma vez que a noção de realidade não se altera, mas são incapazes de sentir como pessoas normais.

A personagem Yvone é meiga, simpática e altamente sedutora. Suas manobras são tão ardilosas que impedem que os demais desconfiem da veracidade de suas falas ou da meiguice de seu olhar.
Assim é o psicopata. Resultado de uma cisão na estruturação de seu “eu”, acredita que a lei não terá efeito sobre ele. Ou seja, duvida e por vezes se diverte com a suposta certeza de que nunca será pego em suas falcatruas, em seus atos ilícitos. Não se coloca em obediência às normas sociais com relação aos comportamentos legais; possui propensão para enganar, mentindo repetidamente tenta obter vantagens pessoais ou prazer. É capaz de dramatizar desde um lugar de vítima com voz de súplica, ou de apresentar-se como uma pessoa humilde e ignorante onde o outro rapidamente o “compreende” e o apóia. Eleva o falso à condição de autêntico e o inferior à condição de superior e melhor.
A partir do seu desempenho, se é fisgado e atado em um relacionamento onde se crê existir amor e respeito. Porém, assim que o psicopata é desmascarado, ficamos ali, paralisados e perplexos sem entender nada do que aconteceu.
Infelizmente é comum que escutemos, nos meios psicanalíticos, que o psicopata raramente procura uma análise ou qualquer outro tipo de ajuda. Geralmente os que nos procuram são aqueles que sofrem ou sofreram as conseqüências de sua ação. Driblar a lei e enganar o outro é experimentado pelo psicopata, como uma sensação triunfal e não penosa. Não está sujeito às ruminações de culpa, tem ausência de remorso e indiferença por ter ferido, maltratado ou roubado outra pessoa. As práticas de atos ilícitos garantem a ele alguma identidade subjetiva que o protege contra angústias psicóticas, angústias estas, claramente observadas no personagem Tarso, protagonizado pelo ator Bruno Gagliasso na trama e que apresenta outra psicopatologia.
Entretanto, o prazer experimentado pela psicopatia também apresenta efeitos colaterais indesejáveis: burlar as leis e viver muitas vezes como se elas não existissem vai provocando cada vez mais a cisão do sujeito com a realidade, ao mesmo tempo em que o leva a um estado de vazio psíquico e uma ausência de relacionamentos afetivos verdadeiros. Ou seja, a solidão e a infelicidade podem se tornar perturbadoras para o psicopata e é nestas horas que ele poderá cometer atos mais “descuidados” e se deixar “pegar” na ilegalidade.
E será aí, onde assistiremos surpresos, vir à tona um sujeito absolutamente desconhecido por nós, que em algum momento acreditamos conhecer. Nesta hora, nem mesmo a Índia nos será tão estranha!

Edilaine Bronzeri Pugliese

*texto publicado no Jornal de Jundiaí – Caderno Estilo de 26/07/09.