sexta-feira, 19 de setembro de 2014

O TRIEP faz 15 anos!

Em agosto de 1999 foi fundada em Jundiaí a instituição psicanalítica TRIEP - Trabalhos de Investigação e Estudos em Psicanálise.

A instituição surgiu por vontade e decisão de um pequeno grupo de psicanalistas, entre elas Daisy Lino.

Com a formação em Psicanálise pelo Instituto Sedes Sapientiae – SP, essas psicanalistas encontraram aí as raízes das experiências e as diretrizes necessárias para formar, na cidade de Jundiaí, um espaço de debate, divulgação e transmissão da Psicanálise. 

Esse espaço se constituiu embasado na firme convicção de que, para a especificidade desta formação complexa e interminável, é imprescindível o compromisso ético com o tripé da formação, em especial, com a análise pessoal do analista.   

Como primeira atividade institucional, o TRIEP, na figura de suas idealizadoras, participou da “Semana de Medicina Preventiva” promovida pelo HPS (Hospital Paulo Sacramento), em novembro de 1999. O trabalho de participação nessa Semana teve como proposta uma “Oficina para adolescentes”, com temáticas voltadas para orientação sexual, doenças sexualmente transmissíveis, planejamento familiar e risco de gravidez precoce.

Em 2000 o TRIEP iniciou com sua primeira turma de Formação em Psicanálise, e passou, também, no mesmo ano, a oferecer cursos de extensão e de aprimoramento, grupos de estudos aos profissionais de diferentes áreas do conhecimento. Esta vertente é, até hoje, um dos pilares da instituição, a partir do qual outros se ramificaram.

A partir de então, o solo institucional estava formado e se ampliaram as propostas de trabalho com os Encontros Psicanalíticos e eventos, trazendo para o centro da discussão temas da atualidade e importantes para a prática clínica e para o trabalho dos profissionais com diferentes atuações.

Contando com psicanalistas convidados e com seus psicanalistas-membros, a instituição foi, ao longo do tempo, tornando-se lugar de referência para o pensamento e a prática psicanalítica, bem como para a discussão de questões que se relacionam ao humano em sua diversidade e complexidade.

Em 2000 iniciaram-se os trabalhos de Análise Institucional e a Clínica dos Cursos, atualmente denominada Clínica Social. Estas são duas outras vertentes que, ainda hoje, solidificam a organização das frentes de trabalho do TRIEP. 

A Análise Institucional, oferecida a instituições e empresas, busca reconhecer, elucidar e compreender a causa, o sentido e a própria razão dos sofrimentos psíquicos que interferem no cotidiano do trabalho na instituição/empresa, comprometendo seu andamento e produtividade.

A Clínica Social oferece o Serviços de Atendimento Clínico, que visa possibilitar aos interessados, que não tenham condições de custear tratamento particular, atendimento psicanalítico em condições acessíveis.

O TRIEP, estimando o valor da boa informação e esclarecimento iniciou, em 2000, parceria com o Jornal de Jundiaí (JJ), com a proposta de apresentar ao leitor temas do cotidiano a partir da ótica da Psicanálise.

No Caderno Estilo, através da Coluna Divã, parceria mantida até os dias atuais, aproxima o leitor de uma nova discussão a respeito de assuntos que envolvem temáticas de saúde, relacionamentos, sociedade e subjetividade.

Em 2002, a instituição ampliou sua atuação oferecendo, também, a Supervisão Clínica, para profissionais que se interessavam em discutir sua prática clínica e/ou institucional a partir de um enfoque psicanalítico. O trabalho se estendeu a grupos de profissionais das áreas da Saúde e da Educação, atuantes nos setores público e privado.

Os espaços dos cursos de extensão, de aprimoramento e Formação em Psicanálise, com a participação de profissionais de diferentes áreas, trouxeram ao TRIEP o reconhecimento que se aplica a uma instituição sólida e séria em sua proposta de trabalho e em seu percurso.

Assim, desde sua fundação, o TRIEP se apresentou como uma instituição atuante, estabelecendo temáticas e fomentando debates do interesse de profissionais de áreas específicas (Saúde e Educação), de demais áreas do conhecimento e do público em geral, traduzindo-se como um espaço para reflexões e interlocuções de referencial psicanalítico.

O TRIEP também passou por renovações e reformulações em seu percurso.

Agora, após 15 anos de atividade permanente, a instituição se estabelece sob uma nova configuração e conta, atualmente, com os seguintes psicanalistas, membros do TRIEP: Ana Beatriz T. Facchini, Cíntia Visnardi Rodrigues, Daisy M. R. Lino, Eunice Gabriel da Silva, Gustavo Florêncio Fernandes, Leila Cristina dos Santos Veratti, Patrícia M. Macieira Matalani e Silvana M. J. Gastaldi Schioser.

Com o intuito de dar continuidade à sua política institucional e a ideia de ampliar e dinamizar as frentes de atuação, o TRIEP lançou-se a novos desafios, estabelecendo parcerias com hospitais, empresas, escolas e faculdades, em Jundiaí e na região, sempre com a proposta de estabelecer e ampliar o diálogo com outras áreas do conhecimento e da cultura.

E é a partir deste percurso consistente e com referencial definido e reconhecido que o TRIEP, em comemoração aos seus 15 anos, convida os interessados a conhecer e participar das próximas atividades, a serem realizadas nos meses de outubro e novembro de 2014.




segunda-feira, 28 de julho de 2014



Chamada inadvertidamente de recalque, a inveja vem sendo amplamente citada entre a grande maioria das letras do funk ostentação que faz a cabeça dos jovens, inclusive entre seus representantes do sexo feminino. Os artistas valorizam o exibicionismo e o consumo excessivo de um lado e o deslumbramento com o acesso aos bens materiais, a posse e a acumulação do outro. Os hits possuem letras de provocação a outras mulheres e são acompanhados de videoclipes que invariavelmente seguem a mesma fórmula: bebidas caras, mulheres exuberantes pouco vestidas, mansões suntuosas, carros luxuosos, motos possantes, brilho e ouro, muito ouro, por sinal. São verdadeiros hinos em nome do deboche – um recado bem irônico e direto para as “recalcadas e invejosas de plantão” – e tem feito muito sucesso, seja nos bailes funks da periferia ou dos bairros nobres, onde os mais empolgados “se jogam” sem maiores pudores na coreografia, por sinal, contagiante.

Pensando nisso, recorri a uma antiga elaboração escrita por mim realizada durante o curso de formação em psicanálise no TRIEP para lançar alguma luz sobre a ótica da inveja presente na histeria.

Para a Psicanálise, a inveja é um traço de caráter da histeria. O objetivo da inveja não é querer aquilo que o outro tem, mas sim querer que o outro não tenha aquilo que já tem, e que supõe dar-lhe completude. Seu alvo é um objeto parcial, um atributo desejável - poder, autonomia, brilho do outro etc. -, e não a pessoa em si. O atributo desejável é um simbolismo da possibilidade de algo ser separado do corpo, tirar do outro aquilo que o invejoso não tem – uma suposta “felicidade”.  
Podemos afirmar, portanto, que os conflitos histéricos são fantasias inconscientes a espera da escuta psicanalítica. A fantasia na neurose histérica é a incapacidade para a satisfação real de um desejo sexual e é nela que as histéricas encontram sua satisfação e reconhecem em si um enigma. A histeria é um excesso fantasmático, um desejo intenso que, se não tem destino, produz adoecimento.
O olhar da histérica é um olhar invejoso. Freud fala da inveja como o afeto presente no desenvolvimento sexual feminino, isto é, a inveja é o “sentimento particular da falta”. Quando menina, ela julgou e decidiu imediatamente: viu isso, sabe que não o tem, e quer tê-lo. Portanto, a inveja do pênis é o processo que deriva do complexo de castração nas histéricas. A inveja é uma verdadeira luta da suposta onipotência infantil perdida. A mulher histérica precisa ver o que as outras mulheres têm para supostamente responder ao seu maior enigma: eu sou mulher? Ela não compreende o que lhe falta e o porquê de não ter sido “aparelhada”. Vê o horror de deduzir a falta, da ordem da castração e questiona sua incompreensão.
           
Concluindo: toda essa cultura exagerada da inveja não é culpa do funk ostentação. Também não considero ruim que as pessoas sonhem em ter uma vida melhor ou até mesmo que almejem a prosperidade. Como já dito, a inveja transita rumo ao desejo. Para a histérica, existe apenas um atributo, e não dois, cuja posse por uma priva a outra “recalcada” automaticamente da possibilidade de possuí-lo. Ao lado da inveja fica uma figuração de tempo: a mulher intui que não tem pênis, mas poderá tê-lo ou ter um equivalente dele. A histérica tem sua vida conturbada pela angústia deste desejo inconsciente que encontrará apenas a satisfação parcial. Há uma intensa hostilidade dirigida àquelas que possuem tantos privilégios e apresenta-se o desejo de arrancá-los de tais possuidoras. A lógica binária da castração opera com um “sim” e com um “não”, ou seja, ter ou não o pênis, ou mais amplamente, ter ou não o atributo valorizado e invejado pela “recalcada”. Citando São Tomás de Aquino: 
Invidia est tristitia de alienis bonis : a inveja é a tristeza quanto às coisas boas de outrem.”
O resto é “recalque”… Então, rala!

Cíntia Visnardi Rodrigues
Psicanalista. Membro do TRIEP. Graduada em Letras






segunda-feira, 5 de maio de 2014

O luto e a luta*

Leila  Cristina dos Santos Veratti **

As duas palavras parecem não ter relação nenhuma, para além da composição em quatro letras e uma certa similaridade sonora... Luto, vem do latim luctus, que designa "dor, pesar, aflição, lamentar, sofrer". Luta, também tem sua origem no latim, lucta, e significa "luta, pugna, esforço". Hoje em dia, a forma como expressamos o luto tem se apresentado bem diferente do modo como era feito décadas atrás. 

Os rituais são um tanto distintos, quando os há. Mas os sentimentos e sensações que envolvem e, muitas vezes, dominam aquele que perdeu uma pessoa muito amada e querida, parecem não pertencer a essa série de rituais que se modificou com a passagem do tempo: a tristeza, a revolta, a incompreensão acerca do acontecido, as perguntas que se apresentam... tudo isso não se modificou. Repete-se na incansável roda do tempo.

Em seu texto Luto e Melancolia, Freud diz que "o luto é a reação à perda de uma pessoa amada." E que essa reação é superada com o tempo. Ao se apresentar uma grande perda, o sujeito começa seu processo de luto. E cada pessoa o representa a seu modo, procurando uma forma de expressar sua dor, seu pesar, sua aflição, seu lamento. Nessa expressão bastante peculiar a cada um, o processo de luto se transforma também em luta.

É preciso que toda uma série de investimentos em lembranças, em situações vividas com aquele que não está mais presente, possam se apresentar ao psiquismo do indivíduo para que, abastecido destas memórias, ele possa, aos poucos, se desligar de tamanho pesar e sofrimento e transformar sua dor em outra coisa: saudade, lembrança, herança emocional, uma marca que diga respeito somente à sua relação com o ente querido, mas agora perdido.

Tudo isso requer um trabalho psíquico, um "esforço", uma "luta", para que haja elaboração. A perda marca em nós uma falta. Muitas vezes, acreditamos que, com esta falta, nos perdemos naquele que se foi. Por um período, podemos acreditar que de nós também não restou muita coisa. Mas se passarmos por esta luta e este luto, de uma maneira a termos internalizadas nossas imagens, nossas vivências e experiências com aquele que partiu, podemos verificar o quanto dele é que ficou em nós.

"A imagem preservada pelo amor, substitui o corpo que fomos obrigados a nunca mais ver." (Diana Corso, psicanalista). Nunca mais! A marca indelével da falta. Falta para a qual cada civilização, cada sociedade, cada indivíduo, procura uma forma para lidar com ela. Talvez para não sucumbir à perda... 

"A angústia e a lembrança do mais ou menos de toda separação. A angústia provém da espera do retorno e não da perda. Assim o luto pela morte realmente advinda, é diferente (...) da angústia de separação. "Até já" é justamente o que a morte proíbe e a religião e o amor autorizam. E a gente se desgasta em imaginar o inimaginável de um "nunca mais", imagem impossível de um retorno imaginado, diferido ao absurdo. "Até já"... aí tudo recomeça...(...) A separação é esta dor que é a vida, que se imagina, se representa e se sonha." (Radmila Zygouris).


*Artigo publicado no Jornal de Jundiaí de 04/05/14 – Caderno Estilo
**Psicanalista pelo TRIEP e membro do TRIEP - Trabalhos de Investigação e Estudos em Psicanálise.