sexta-feira, 30 de novembro de 2012



Psicotrópicos: Os verdadeiros perigos
Por Ana Beatriz T. Facchini* 

Um estudo realizado na França sobre a utilização de psicotrópicos revelou que sua utilidade é incontestável, mas seu uso é alarmante!
Prescritos e liberados pelos clínicos gerais, o uso errado dos “medicamentos da alma” pode levar a efeitos desastrosos. Os franceses são os principais consumidores mundiais em várias categorias: antidepressivos, ansiolíticos, neurolépticos e tranquilizantes são prescritos correntemente.
O escritor Guy Hugnet (“Psicotrópicos, a Pesquisa”), denuncia uma overdose nacional. Alimentados pelas receitas aberrantes (ele fornece alguns exemplos horripilantes em seu livro), os lucros da indústria farmacêutica não justificam uma parelha com a “medicalização do mal estar”.
Em 2008, uma quinzena de medicamentos e sua gama de efeitos secundários foram denunciados. Para os antidepressivos da família do Prozac, Irving Kirsch, professor de psicologia britânico, relacionou uma lista impressionante: disfunção sexual, insônia, ganho de peso, diarreia, náuseas, sonolência, reações cutâneas, nervosismo, anorexia, transpiração excessiva... Sem esquecer as benzodiazepinas, que recentemente apontaram para o risco de demência senil.
Os médicos, muitas vezes, fazem uma prescrição reflexa, mesmo quando existem alternativas não medicamentosas.
EM NÚMEROS
Na França, 75 milhões de caixas de ansiolíticos foram vendidas em 2010. Nesse ano, 20% dos franceses consumiram pelo menos uma vez benzodiazepina ou medicação semelhante.  É o segundo maior consumidor de ansiolíticos da Europa. Vem logo atrás dos portugueses, que por sua vez consomem 9 vezes mais que alemães e ingleses ( fonte: AFSSAPS – Janeiro/2012).
Solidamente organizadas, as indústrias farmacêuticas com seus lobbies e poder de formação de opinião, não cessam de fazer fortuna. Não hesitam em inventar através da hegemônica e americana classificação DSM, transtornos mentais imaginários.
O DSM 1 (1951) relacionou a existência de 100 doenças, o DSM 2 (1968) relacionou 145 e pasmem, 515 doenças anunciadas para 2013!
Na revista Veja de 28/11/12, foi publicada uma matéria de capa sobre a depressão e suas consequências. Esta apresenta um novo medicamento “Promessa de Cura” chamado CETAMINA.
A capa da revista estampa: “A Cetamina é a primeira esperança de tratamento totalmente eficaz da doença que afeta quarenta milhões de brasileiros”
Medicalizar o mal estar... será este o caminho? Evitar qualquer desprazer a qualquer custo???
Para saber mais acesse o link:
http://pt.scribd.com/doc/114233644/Os-verdadeiros-perigos-dos-psicotropicos

*Psicanalista e participante do TRIEP




sexta-feira, 19 de outubro de 2012

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

segunda-feira, 16 de julho de 2012


O Valor da Vida
Uma entrevista rara de Freud - Tradução de Paulo Cesar Souza (20/4/2010)
Fonte: http://www.espacopsicanalitico.com.br/Freudentrevista.htm

Entre as preciosidades encontradas na biblioteca da Sociedade Sigmund Freud está essa entrevista. Foi concedida ao jornalista americano George Sylvester Viereck, em 1926. Deve ter sido publicada na imprensa americana da época. Acreditava-se que estivesse perdida, quando o Boletim da Sigmund Freud Haus publicou uma versão condensada, em 1976. Na verdade, o texto integral havia sido publicado no volume Psychoanalysis and the Fut número especial do “Journal of Psychology”, de Nova Iorque, em 1957. É esse texto que aqui reproduzimos, provavelmente pela primeira vez em português.

"Setenta anos ensinaram-me a aceitar a vida com serena humildade".
Quem fala é o professor Sigmund Freud, o grande explorador da alma. O cenário da nossa conversa foi uma casa de verão no Semmering, uma montanha nos Alpes austríacos. Eu havia visto o pai da psicanálise pela última vez em sua casa modesta na capital austríaca. Os poucos anos entre minha última visita e a atual multiplicaram as rugas na sua fronte. Intensificaram a sua palidez de sábio. Sua face estava tensa, como se sentisse dor. Sua mente estava alerta, seu espírito firme, sua cortesia impecável como sempre, mas um ligeiro impedimento da fala me perturbou. Parece que um tumor maligno no maxilar superior necessitou ser operado. Desde então Freud usa uma prótese, para ele uma causa de constante irritação. 

S. Freud: Detesto o meu maxilar mecânico, porque a luta com o aparelho me consome tanta energia preciosa. Mas prefiro ele a maxilar nenhum. Ainda prefiro a existência à extinção. Talvez os deuses sejam gentis conosco, tornando a vida mais desagradável à medida que envelhecemos. Por fim, a morte nos parece menos intolerável do que os fardos que carregamos.
Freud se recusa a admitir que o destino lhe reserva algo especial.
- Por que – disse calmamente – deveria eu esperar um tratamento especial? A velhice, com suas agruras chegam para todos. Eu não me rebelo contra a ordem universal. Afinal, mais de setenta anos. Tive o bastante para comer. Apreciei muitas coisas – a companhia de minha mulher, meus filhos, o pôr do sol. Observei as plantas crescerem na primavera. De vez em quando tive uma mão amiga para apertar. Vez ou outra encontrei um ser humano que quase me compreendeu. Que mais posso querer?
George Sylvester Viereck: O senhor teve a fama, disse que sua obra influi na literatura de cada país. O homem olha a vida e a si mesmo com outros olhos, por causa do senhor. E recentemente, no seu septuagésimo aniversário, o mundo se uniu para homenageá-lo – com exceção da sua própria Universidade.
S. Freud: Se a Universidade de Viena me demonstrasse reconhecimento, eu ficaria embaraçado. Não há razão em aceitar a mim e a minha obra porque tenho setenta anos. Eu não atribuo importância insensata aos decimais. A fama chega apenas quando morremos, e francamente, o que vem depois não me interessa. Não aspiro à glória póstuma. Minha modéstia não é virtude.
George Sylvester Viereck: Não significa nada o fato de que o seu nome vai viver?
S. Freud: Absolutamente nada, mesmo que ele viva o que não é certo. Estou bem mais preocupado com o destino de meus filhos. Espero que suas vidas não venham a ser difíceis. Não posso ajudá-los muito. A guerra praticamente liquidou com minhas posses, o que havia poupado durante a vida. Mas posso me dar por satisfeito. O trabalho é minha fortuna. 
Estávamos subindo e descendo uma pequena trilha no jardim da casa. Freud acariciou ternamente um arbusto que florescia.
S. Freud: Estou muito mais interessado neste botão do que no que possa me acontecer depois que estiver morto.
George Sylvester Viereck: Então o senhor é, afinal, um profundo pessimista?
S. Freud: Não, não sou. Não permito que nenhuma reflexão filosófica estrague a minha fruição das coisas simples da vida.
George Sylvester Viereck: O senhor acredita na persistência da personalidade após a morte, de alguma forma que seja?
S. Freud: Não penso nisso. Tudo o que vive perece. Por que deveria o homem construir uma exceção?
George Sylvester Viereck: Gostaria de retornar em alguma forma, de ser resgatado do pó? O senhor não tem, em outras palavras, desejo de imortalidade?
S. Freud: Sinceramente não. Se a gente reconhece os motivos egoístas por trás de conduta humana, não tem o mínimo desejo de voltar à vida, movendo-se num círculo, seria ainda a mesma. Além disso, mesmo se o eterno retorno das coisas, para usar a expressão de Nietzsche, nos dotasse novamente do nosso invólucro carnal, para que serviria, sem memória? Não haveria elo entre passado e futuro. Pelo que me toca estou perfeitamente satisfeito em saber que o eterno aborrecimento de viver finalmente passará. Nossa vida é necessariamente uma série de compromissos, uma luta interminável entre o ego e seu ambiente. O desejo de prolongar a vida excessivamente me parece absurdo.
George Sylvester Viereck: Bernard Shaw sustenta que vivemos muito pouco. Ele acha que o homem pode prolongar a vida se assim desejar, levando sua vontade a atuar sobre as forças da evolução. Ele crê que a humanidade pode reaver a longevidade dos patriarcas.
S. Freud: É possível que a morte em si não seja uma necessidade biológica. Talvez morramos porque desejamos morrer. Assim como amor e ódio por uma pessoa habitam em nosso peito ao mesmo tempo, assim também toda a vida conjuga o desejo de manter-se e o desejo da própria destruição. Do mesmo modo com um pequeno elástico esticado tende a assumir a forma original, assim também toda a matéria viva, consciente ou inconscientemente, busca readquirir a completa, a absoluta inércia da existência inorgânica. O impulso de vida e o impulso de morte habitam lado a lado dentro de nós. A Morte é a companheira do Amor. Juntos eles regem o mundo. Isto é o que diz o meu livro: Além do Princípio do Prazer. No começo, a psicanálise supôs que o Amor tinha toda a importância. Agora sabemos que a Morte é igualmente importante. Biologicamente, todo ser vivo, não importa quão intensamente a vida queime dentro dele, anseia pelo Nirvana, pela cessação da “febre chamada viver”, anseia pelo seio de Abraão. O desejo pode ser encoberto por digressões. Não obstante, o objetivo derradeiro da vida é a sua própria extinção.
George Sylvester Viereck: Isto, exclamei, é a filosofia da autodestruição. Ela justifica o auto-extermínio. Levaria logicamente ao suicídio universal imaginado por Eduard von Hartamann.
S. Freud: A humanidade não escolhe o suicídio porque a lei do seu ser desaprova a via direta para o seu fim. A vida tem que completar o seu ciclo de existência. Em todo ser normal, a pulsão de vida é forte o bastante para contrabalançar a pulsão de morte, embora no final resulte mais forte. Podemos entreter a fantasia de que a Morte nos vem por nossa própria vontade. Seria mais possível que pudéssemos vencer a Morte, não fosse por seu aliado dentro de nós. Neste sentido, acrescentou Freud com um sorriso, pode ser justificado dizer que toda a morte é suicídio disfarçado.
Estava ficando frio no jardim. Prosseguimos a conversa no gabinete. Vi uma pilha de manuscritos sobre a mesa, com a caligrafia clara de Freud.
George Sylvester Viereck: Em que o senhor está trabalhando?
S. Freud: Estou escrevendo uma defesa da análise leiga, da psicanálise praticada por leigos. Os doutores querem tornar a análise ilegal para os não médicos. A História, essa velha plagiadora, repete-se após cada descoberta. Os doutores combatem cada nova verdade no começo. Depois procuram monopoliza-la.
George Sylvester Viereck: O senhor teve muito apoio dos leigos?
S. Freud: Alguns dos meus melhores discípulos são leigos.
George Sylvester Viereck: O senhor está praticando muito psicanálise?
S. Freud: Certamente. Neste momento estou trabalhando num caso muito difícil, tentando desatar os conflitos psíquicos de um interessante novo paciente. Minha filha também é psicanalista, como você vê…
Nesse ponto apareceu Miss Anna Freud acompanhada por seu paciente, um garoto de onze anos, de feições inconfundivelmente anglo-saxônicas.
George Sylvester Viereck: O senhor já analisou a si mesmo?
S. Freud: Certamente. O psicanalista deve constantemente analisar a si mesmo. Analisando a nós mesmos, ficamos mais capacitados a analisar os outros. O psicanalista é como o bode expiatório dos hebreus. Os outros descarregam seus pecados sobre ele. Ele deve praticar sua arte à perfeição para desvencilhar-se do fardo jogado sobre ele.
George Sylvester Viereck: Minha impressão, observei, é de que a psicanálise desperta em todos que a praticam o espírito da caridade cristão. Nada existe na vida humana que a psicanálise não possa nos fazer compreender. “Tout comprec’est tout pardonner”.
S. Freud: Pelo contrário! – bravejou Freud, suas feições assumindo a severidade de um profeta hebreu. Compreender tudo não é perdoar tudo. A análise nos ensina não apenas o que podemos suportar, mas também o que podemos evitar. Ela nos diz o que deve ser eliminado. A tolerância com o mal não é de maneira alguma um corolário do conhecimento.
Compreendi subitamente porque Freud havia litigado com os seguidores que o haviam abandonado, porque ele não perdoa a sua dissensão do caminho reto da ortodoxia psicanalítica. Seu senso do que é direito é herança dos seus ancestrais. Uma herança de que ele se orgulha como se orgulha de sua raça.
S. Freud: Minha língua, ele me explicou, é o alemão. Minha cultura, minha realização é alemã. Eu me considero um intelectual alemão, até perceber o crescimento do preconceito anti-semita na Alemanha e na Áustria. Desde então prefiro me considerar judeu.
Fiquei algo desapontado com esta observação. Parecia-me que o espírito de Freud deveria habitar nas alturas, além de qualquer preconceito de raças que ele deveria ser imune a qualquer rancor pessoal. No entanto, precisamente a sua indignação, a sua honesta ira, tornava o mais atraente como ser humano. Aquiles seria intolerável, não fosse por seu calcanhar!
George Sylvester Viereck: Fico contente, Herr Professor, de que também o senhor tenha seus complexos, de que também o senhor demonstre que é um mortal!
S. Freud: Nossos complexos são a fonte de nossa fraqueza; mas com frequência são também a fonte de nossa força.

segunda-feira, 25 de junho de 2012



Corpos despedaçados*
Por Sérgio Telles**
                O assassinato do herdeiro do grupo Yoki Marcos Matsunaga por sua mulher Elize tem vários elementos que ressoam no imaginário coletivo. Em primeiro lugar, o fato de ter sido ela uma prostituta "salva" pelo cliente que com ela se casou. Esse é um forte estereótipo fantasmático da vida amorosa, a ponto de Freud ter-lhe dedicado um trabalho escrito em 1910 e ainda perfeitamente atual, pois as verdades do psiquismo não caducam. Em Um Tipo Especial de Escolha de Objeto Feita pelos Homens, Freud mostra como as imagens da prostituta e da mãe podem fundir-se em função das vicissitudes do Complexo de Édipo. Mas o mais impactante no caso é o esquartejamento que Elize praticou depois de matar o marido. Para muitos, um ato mais violento do que o próprio assassinato, pois evidencia a presença de um ódio desmesurado que não se contenta em tirar a vida do desafeto e precisa ir mais além, destruindo-lhe o corpo.
O comportamento individual de Elize dá continuidade a uma prática social comandada pela nobreza medieval europeia, que de forma semelhante punia os crimes de "alta traição", aqueles que afrontavam o rei e os símbolos de sua majestade. O criminoso era então condenado à pena de enforcamento, evisceração e esquartejamento, nisso se acrescentando muitas vezes a trituração de ossos, a castração e a decapitação. Em algumas ocasiões, o enforcamento podia ser interrompido antes da morte do condenado para que ele, ainda vivo, sofresse as dores da evisceração e castração. Seu coração e as vísceras eram imediatamente queimados numa fogueira preparada para esse fim, pois se acreditava que ali residiam sua corrupção e maldade. A castração o privava dos símbolos de poder e da procriação. Ao decapitá-lo, expressamente puniam-se suas loucas ideias de enfrentar o rei. Os pedaços do corpo eram expostos em locais de grande afluência. Com essa execução espetacular, de máxima visibilidade pública, o poder reafirmava de forma exemplar sua força e admoestava para o risco de a ele se contrapor.
A carga simbólica maior decorria da crença religiosa. Com mais convicção do que hoje, acreditava-se que no Juízo Final a alma voltaria a habitar os corpos que então ressuscitariam. Daí a importância da integridade do corpo. Ao destruí-lo, o poder eliminava física e espiritualmente o condenado, ou seja, neste e no outro mundo, impossibilitava seu ingresso na vida eterna e era essa a maior punição imaginável.
Em Portugal, o suplício judiciário foi usado também na Inquisição e aplicado a nosso herói da Inconfidência Mineira, o Tiradentes.
Não tão remotamente, procedimento semelhante foi aplicado aqui, no Brasil, com os corpos de Lampião e seu bando, cujas cabeças decapitadas ficaram expostas no Museu Nina Ribeiro de Salvador até 1969.
Algo semelhante continua ocorrendo atualmente no México, em função da guerra entre os cartéis do narcotráfico, na disputa pelo mercado da droga. Em Ciudad Juarez - onde se digladiam o grupo La Línea, que tradicionalmente controlava o tráfico na região, e o cartel de Sinaloa, chefiado por Joaquín Guzmán ("El Chapo") -, frequentemente são encontrados corpos esquartejados, desmembrados, decapitados, desfigurados pelo ácido. Exatamente como faziam os reis europeus e com os mesmos objetivos, os barões da droga querem com isso intimidar os inimigos, proclamando um poder ilimitado e inquestionável, capaz de eliminar qualquer um que ouse desafiá-lo. A única diferença é que antigamente essas execuções ritualísticas eram acontecimentos únicos, excepcionais, realizados com muita pompa em grandes encenações. No México de hoje, são acontecimentos rotineiros, banalizados, frente aos quais a população se anestesia para conseguir sobreviver.
Jonathan Littell é autor de As Benevolentes (Objetiva /Alfaguara), livro lançado em 2006 e vencedor dos Prêmios da Academia Francesa e Goncourt. O título remete ao mito grego das Erínias ou Fúrias, que perseguiam Orestes por ter ele assassinato sua mãe Clitemnestra, e o livro trata do nazismo através de seu personagem principal, um aristocrático oficial da SS. Littell publicou agora na London Review of Books (7/6/2012) o texto Lost in the Void, um assustador relato sobre a situação caótica de Ciudad Juarez, totalmente controlada pelo narcotráfico. Ao falar dos assassinatos sistemáticos, diz que a forma pela qual os corpos sofreram mutilações revela uma semiologia conhecida por todos. Se o corpo vem sem sapatos, é porque o falecido foi expulso do cartel. Se vem com as mãos decepadas e colocadas no bolso, é indício de que foi punido por ter roubado o cartel. Se tem um dedo cortado e enfiado na boca ou no ânus, é por ter denunciado alguém à polícia. Se aparece com a pele do rosto arrancada ("como casca de banana", diz ele), é sinal que foi considerado traidor do grupo.
O que ligaria a ex-garota de programa paranaense, os reis medievais da Europa e os atuais barões da droga na fronteira mexicana é o exercício do ódio, a destruição do corpo do objeto execrado. Compartilham uma vingança onipotente contra uma insuportável ofensa ao narcisismo, esteja este amparado institucionalmente ou não. A exibição do corpo esquartejado, desmembrado, dissolvido no ácido é uma demonstração intimidadora do poder absoluto, esteja ele dentro ou fora da lei. Mas Elize, ao contrário dos reis e dos narcotraficantes, não quer exibir o corpo esquartejado, quer escondê-lo. De fato, aí aparece uma diferença entre as três situações, relacionada com o exercício efetivo do poder. Ao sofrer a ofensa narcísica (a rejeição do marido), Elize onipotentemente se vinga, matando-o e desconstruindo seu corpo. Mas ela não perdeu o contato com a realidade, sabe que, se descoberta, sofrerá as consequências de seu ato. Daí precisar esconder o corpo, ao contrário dos outros dois exemplos, que, por terem grande poder (legítimo ou não) e até mesmo para reafirmá-lo, podem exibir abertamente a vingança.
Sejam quais forem as motivações e justificativas conscientes para realizar o esquartejamento do corpo do morto (razões de Estado, intimidações por parte de mafiosos, eliminação de provas incriminadoras), penso que deve sempre existir um substrato inconsciente muito primitivo, algo próximo do canibalismo, sobre o qual falamos aqui recentemente. No canibalismo predomina a ambivalência, o ódio faz matar o objeto e destruir seu corpo, o amor quer preservá-lo e com esse objetivo o ingere. Nas execuções e nos assassinatos como o realizado por Elize, predomina o ódio. O objeto é morto, o corpo é destruído e abandonado como detrito despojado de toda humanidade, mera evidência do poder daquele que o destruiu.
*artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo - 23/06/12.
**psicanalista e escritor.


sexta-feira, 18 de maio de 2012


Um terapeuta já cansado?*
Por Contardo  Calligaris

Há terapeutas que simplificam o pedido dos pacientes e os dispensam na primeira melhora

Na segunda dia 7, a Folha publicou uma entrevista com um jovem psicoterapeuta nova-iorquino, Jonathan Alpert, autor de um artigo polêmico nas páginas de opinião do "New York Times". O artigo opunha a terapia "de resultados" (e milagrosamente rápida) de Alpert às terapias longas, praticadas por outros terapeutas de várias obediências. Muitos colegas (dele e meus) sentiram-se incomodados.
As respostas de Alpert  têm um tom de autopromoção, que inspira uma certa vergonha (não nele, claro, mas em quem lê). No entanto, à primeira vista, elas são mais triviais do que chocantes. Alpert apresenta a novidade de uma maneira de clinicar, que consiste por exemplo, em colocar metas, definir o número de sessões para chegar até lá e avaliar o processo regularmente. Ora, qualquer um que clinique nos EUA faz isso com cada paciente - é o que pedem as seguradoras para aprovar um tratamento: diagnóstico, proposta de um número definido de sessões, meta terapêutica, renovação periódica. 
Enfim, a "novidade" efetiva é que terapeuta e seguradoras sabem que as metas de um tratamento mudam ao longo da terapia, enquanto (descobri depois) os pacientes de Alpert, misteriosamente, parecem ter sempre pedidos iniciais claros e inalteráveis. Nunca vi coisa igual.
Outro tema: Alpert não gostou de "O Segredo", o best seller de autoajuda de Rhonda Byrne. Ele acha que desejar intensamente não basta: para conseguir o que a gente quer é preciso agir e ter o acompanhamento de um terapeuta como Alpert, que nos diga o que fazer. Em suma, Alpert gostaria que seu livro fosse "O Segredo" que funciona - OK.
No mais, Alpert acha que os praticante de terapia longas desperdiçam seu próprio tempo e o de seus paciente, enquanto ele garante mudanças radicais em 28 dias. Eu adoraria poder curar quase tudo em 28 dias e decidi ler o livro de Alpert, "Be Fearless - Change Your Life in 28 Days" ( no Brasil no fim do ano, pela  Sextante, como "Seja Destemido - Mude sua Vida em 28 Dias" ou algo parecido).
Sinto em dizer: o livro é um desastre, inclusive do ponto de vista da terapia cognitivo-comportamental, que Alpert professa em tese, mas da qual ele parece ter esquecido algumas lições essenciais. Em geral as terapias cognitivo-comportamentais são mesmo mais rápidas do que as terapias dinâmicas (como a psicanálise), pois elas são focadas em identificar e corrigir pensamentos disfuncionais, ou seja, pensamentos negativos, avaliações e crenças erradas, que são fonte de transtornos psicológicos.
Ora, Alpert se esquece de que um tratamento cognitivo-comportamental DEVE continuar por bastante tempo depois de seu eventual sucesso, porque medos e fobias, mesmo "curados", são reativados facilmente por novos gatilhos de estresse; ou seja, qualquer tratamento cognitivo inclui um (longo) treinamento para administrar o estresse futuro. Além disso (e muito mais grave), na pressa de seduzir seus pacientes, presentes e futuros, com a promessa de um milagre, Alpert lhes retira qualquer complexidade: todas as dificuldades, amorosas, profissionais ou existenciais, são efeito de um medo (medo de mudar, medo de avançar na vida etc.) - ou seja, para Alpert, não há conflitos de desejos opostos, nem desejos nefastos, nem escolhas propositalmente sofridas: os pacientes só querem namorar com alguém legal e subir na vida. Eles apenas têm medo, e disso logo Alpert vai se ocupar.
Na semana depois da publicação da entrevista, quatro pacientes chegaram ao meu consultório angustiados pela ideia de que eu poderia desistir deles, mandá-los embora alegando que eles estão melhor e já passaram dos 28 dias. A angústia de meus pacientes pode nos indicar qual é o problema de Alpert. Talvez ele não seja nem inexperiente, nem mal treinado, nem inculto; talvez, apesar de sua jovem idade, ele esteja, sobretudo, já cansado.
O exercício da psicoterapia não é gratificante: a persistência do sofrimento psíquico é grande, o próprio desejo de um paciente se curar é incerto, e os caminhos da cura são tortuosos (e misteriosos, mesmo quando a gente consegue se engajar neles). Não estranha que um terapeuta, no meio disso, prefira simplificar ao máximo o pedido de seus pacientes, dar-lhes alguns conselhos, fazê-los sorrir e logo mandá-los embora, depois de 28 dias - rápido, na primeira melhora, ilusória ou não.

*artigo publicado no jornal Folha de São Paulo 17/5/12.



sábado, 14 de abril de 2012

segunda-feira, 2 de abril de 2012

O poder do riso e da piada
Por ABRÃO SLAVUTZKY*

Publicado em ZERO HORA N° 16939, 07 de janeiro de 2012

                Para autores como Kant, Bergson e Freud, o ato de rir tem uma dimensão séria que pode ser relacionada aos vínculos entre humor e rebeldia. Todos sabem o quanto a filosofia é séria, assim como a psicanálise. Sérias e pesadas, diz-se geralmente de ambas. Mas nem sempre. Houve filósofos que se ocuparam do riso, como Kant e Bergson, e Freud, pelo lado da psicanálise, escreveu um livro sobre as piadas e sua relação com o inconsciente. De fato,quando redigia sua obra máxima, A Interpretação dos Sonhos, sofreu críticas do amigo Fliess justamente pelo uso frequente das piadas nos sonhos. Numa carta, Freud lhe respondeu: “O sonhador é espirituoso demais, mas isso não é culpa minha... Todos os sonhadores são espirituosos porque estão sob pressão e a via direta lhes está barrada... A evidente espirituosidade de todos os processos está intimamente relacionada com a teoria da piada e do cômico”. Esses e outros temas são objeto da obra Do que Riem as Pessoas Inteligentes? Seu autor é Manfred Geier, escritor e professor universitário de linguística e literatura.
                O polêmico livro, que investiga as relações entre o riso e a filosofia veio em boa hora. Partindo de Platão, que desprezou o riso como tema e negou direito de cidadania aos poetas no seu Estado ideal (e a quem é dedicado o capítulo inicial, com o expressivo título de “O Riso É Expulso da Filosofia”), o autor expõe nos capítulos seguintes o contraponto dos que tinham o riso em alta conta. Pensadores como os poetas Homero e Hesíodo, que exaltaram os risos (donde a risada homérica) nos alegres banquetes dos deuses do Olimpo, e, sobretudo Demócrito, o filósofo risonho. Aqui lembrei Montaigne em seus Ensaios: “Demócrito e Heráclito eram dois filósofos. O primeiro, achando que a condição humana é vã e ridícula, apresentava-se sempre em público a rir. Heráclito, tomado de piedade por essa mesma humanidade, andava permanentemente triste e de lágrimas nos olhos... Prefiro o primeiro, não porque seja mais agradável rir do que chorar, mas porque sua atitude é testemunha de seu desdém, porque ela nos condena mais do que a outra". 

            O capítulo “O Salutar Movimento do Diafragma – Por que Immanuel Kant Achava o Riso Saudável” remete à Crítica da Faculdade do Juízo, em que Kant afirma: “Na piada inicia-se o jogo de pensamentos que somados, conquanto queiram exprimir-se sensorialmente, mexem também com o corpo... dando uma sensação de bem-estar à saúde”. Em seguida, o filósofo de Königsberg relaciona a música com a anedota, pois que ambas brincam com materiais que, ao final, nada nos dão para pensar, mas podem proporcionar intensos prazeres com sua versatilidade. Kant confiava no poder curativo do riso, receitava-o como remédio dos mais eficazes, sem efeitos colaterais danosos. O riso é um efeito da transformação de uma experiência tensa em nada. Não por acaso esse filósofo foi uma de suas referências de Freud no seu livro das piadas e em vários outros. Ambos foram ousados, ousaram pensar por si mesmo, uma aventura difícil e excitante.
            Voltaire disse que os céus nos deram duas coisas para compensar as muitas vicissitudes da vida: a esperança e o sono. Poderia ter acrescentado o riso, afirmou Kant. De fato, a graça e o humor, sendo parte da cultura, constituíam para o pensador alemão um desafio filosófico, aponto de levá-lo a recomendar o riso como um ato de razão. Nesse caminho seguiu o romantismo alemão com Jean Paul, citado por Freud em seu livro das piadas. Abrindo aqui um parêntese: o termo em alemão empregado por Freud para designar piada, chiste – Witz – tem sua origem em Wissen (saber), Weissheit (sabedoria). Até parece piada dizer que a piada tem mais sabedoria do que se imagina! Fecha-se o parêntese. A piada é uma formação do inconsciente, que ao liberar desejos, geralmente agressivos ou eróticos, gera assim um ganho de prazer, pela economia de um gasto de sentimento. Agora até historiadores como Robert Darnton – autor de O Grande Massacre de Gatos – estudam a piada, essa “espécie de porta de entrada num sistema cultural”, conforme explicou em recente entrevista.
                O livro de Geier segue com “O Prazer do Riso – Por que Sigmund Freud em Viena Contava Tantas Piadas, Apesar de não se Considerar Engraçado”. O capítulo recorda uma de suas piadas favoritas, como a do comerciante de cavalos que tenta vender um: “Se o senhor escolher este e sair às quatro horas da manhã chegará a Pressburg às seis e meia”. Ao que o cliente redarguiu: “E o que eu vou fazer em Pressburg às seis e meia da manhã?”. O que gera graça nessa história é o processo de deslocamento, da velocidade do cavalo para a desconcertante pergunta do comprador. Freud insistiu que piadas, assim como sonhos, atos falhos e sintomas, são efeitos dos processos de condensação e deslocamento. A piada é o modelo do funcionamento do inconsciente, pois tem um caráter social, só o ouvinte pode confirmar com seu riso se o que escutou foi ou não uma piada. O mesmo ocorre na clínica psicanalítica, pois só o analisando poderá afirmar se o que escutou do analista tocou ou não seu inconsciente. Além do mais, a piada, o humor em geral, é o melhor caminho para se pensar a indispensável sublimação. Lacan escreveu que a própria interpretação está mais do lado do Witzig - gracejo. Neste capítulo senti a falta de uma reflexão sobre o ensaio O Humor, escrito por Freud em 1927. Ao final desse trabalho, ele afirma que o essencial do humor é o supereu falar de forma carinhosa com o eu assustado, dizendo: “Veja, esse é o mundo que parece tão perigoso. É um jogo de crianças, bom nada mais que para brincar com ele”. Um supereu mais suave confere mais leveza à psicanálise. Lembro que Winnicott, entre outros, apontou o caminho do brincar na análise de crianças e do senso de humor nos adultos.
                Pode o humor ser necessário diante do desamparo, do sofrimento e da morte? Encontrei a resposta na entrevista de uma sobrevivente judia de um campo de concentração nazista, que, perguntada se havia humor naquele inferno, respondeu: “Olha, sem humor teríamos todos cometido suicídio. Buscamos permanecer humanos e nos divertir em situações impossíveis”. Creio que a filosofia, a psicanálise, a universidade teriam muito a ganhar se tivessem no humor uma visão de mundo como a que descreveu Wittgenstein em Cultura e Valor. O humor é rebelde, seu poder é sentido por todos os autoritarismos como se sabe. É certo que o humor não resolve os problemas, mas é um bálsamo, como as artes, que alivia a dor da existência.
                Enfim, como diz um provérbio iídiche: o que o sabão é para o corpo, o riso é para a alma.


*Psicanalista autor de “Quem Pensas Tu que Eu Sou?” e co-organizador de “Seria Trágico se não Fosse Cômico – Humor e Psicanálise”.
Fonte: ZH on line, 07/01/2012. 

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Como ser um psicanalista?
Um psicanalista é aquele que conquistou o direito de exercer esse ofício quando se comprometeu ética e seriamente com todas as exigências desta formação. Essa conquista não é fácil, nem rápida e muito menos livre de angústias e inquietações.
A Psicanálise é uma prática terapêutica, mas não faz parte da Psicologia.
Apesar de alguns conceitos da psicanálise fazerem parte das matérias da graduação das Faculdades de Psicologia, elas são duas ciências diferentes, com objeto de estudo específico a cada uma.
A Psicanálise não é uma profissão regulamentada, mas sim uma área de especialização. Por isso, não é considerada privativa de psicólogos ou de médicos. O Conselho de Psicologia, por exemplo, entende que a Psicanálise pode ser exercida por pessoas que possuam nível superior, associada a uma especialização.
O psicanalista é um clínico atento aos sintomas psíquicos – psicológicos e até mesmo somáticos. Sua tarefa é se ocupar do inconsciente quando o inconsciente faz sofrer. Deve ser um observador minucioso, atento às falas, aos silêncios dos pacientes e também às manifestações corporais.

Quem quer ser um psicanalista deve ser graduado em nível superior e, impreterivelmente, ter iniciado sua análise pessoal.

Entender as motivações do sofrimento psíquico dos outros será proporcional ao entendimento que o analista possua de si mesmo. Um psicanalista sério e comprometido com seu ofício tem a disposição e coragem para aventurar-se pelo mais recôndito de si mesmo. E é da sua análise pessoal que dependerá sua capacidade de escutar. Escutar é algo bem mais complexo do que ouvir.
O efeito da análise pessoal do analista, para além de acalmar suas próprias dores e permiti-lo viver melhor, trará sentido à outra importante exigência da formação – a relação do psicanalista com a teoria, com o saber.
O estudo dos textos freudianos, ora agradável de ler ora difícil e intrigante, é repleto de momentos de elucidação, mas sempre uma experiência repleta de dúvidas, formulações, reformulações, leituras e releituras no itinerário dos nossos questionamentos e descobertas.

Enganam-se terrivelmente aqueles que acreditam que é só ler as obras de Freud e tudo está ali devidamente respondido, afinal “Freud explica” ou não? Não, Freud pergunta.

Então, o estudo da Psicanálise vai requerer uma disposição constante de interrogar e colocar em questão os modelos teórico-práticos; uma disposição à renúncia de uma teorização perfeita e com certezas absolutas.

A complexidade da vida psíquica que se vive na clínica é grande demais, desse modo, nossas escolhas teóricas não serão “simples” leituras, muito menos um manual a ser seguido, mas uma busca marcada pela inquietude, angústia e questionamento ativo do desejo de saber do candidato à psicanalista. Isto significa estudar, discutir sua prática com outros psicanalistas mais experientes, se colocar a pensar e se questionar sempre.

Pensar que a prática clínica psicanalítica seria uma mera aplicação de uma teoria tida como sagrada e que se estaria ali – no espaço clínico – para conduzir um outro oferecendo respostas às suas perguntas, sejam quais forem, é no mínimo presunçoso e no máximo perigoso e abusivo.
A formação de um psicanalista supõe muita paciência para a construção artesanal do seu lugar profissional, disponibilidade de pensar no outro e em si mesmo e reconhecer que essa escolha profissional envolve suportar entrar em contato com pessoas diferentes de nós, e em determinados casos muito diferentes.
Ter pelas diferentes experiências humanas uma enorme curiosidade e apreço e não uma recusa, desprezo ou julgamento moral.

Constituir-se na posição ética de que esse trabalho não é o de decidir o bem ou o mal, o certo ou o errado, quem tem ou não razão. Não se é um juiz e muito menos o dono da verdade sobre a vida ou o viver.

Daisy Maria Ramos Lino
Psicanalista