quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O valor da amizade*

A amizade não é um fenômeno recente, assim como não são recentes suas diferentes formas de manifestação. Desde a antiguidade, ela podia ser definida como um laço que unia as virtudes entre duas pessoas, mas também havia amizades fundadas em interesses ou na possibilidade de algum usufruto, o que Aristóteles chamava de "amizades políticas".
Em nossos dias temos amizades "estendidas, amizades virtuais": são "amigos" em comunidades virtuais que compartilham um mesmo gosto, uma mesma reivindicação, um mesmo desgosto... Há aqueles que seguimos em seu dia-a-dia, a qualquer click, e dos quais nos dizemos amigos. Há amigos de amigos que também são acrescentados, ou melhor, adicionados à lista de amigos nas páginas pessoais. Quanto mais amigos, melhor! E para cada um, isto vai se estabelecer como um indicativo: o mais popular, o mais querido, o mais articulado... Enfim, há uma infinidade de maneiras de se vincular e chamar de amigo. São novas definições, mas fato é que a amizade sempre representou e representa uma necessidade humana de estar com o outro.
Freud pensou também sobre este tema e analisou suas amizades e inimizades em períodos que considerava significativos. Para ele, "um amigo íntimo e um inimigo odiado sempre foram requisitos necessários de sua vida emocional". E em outro momento, acrescentou que, tanto o amigo íntimo quanto o inimigo odiado se reuniam na mesma pessoa...
O que é este sentimento que, por um motivo ou outro, aproxima as pessoas e as faz se tornarem amigas? Como todas as marcas psíquicas que nos acompanham no decorrer da vida, as marcas referentes ao signo da amizade também encontram sua origem nos primeiros laços amorosos estabelecidos na infância.
No que se refere ao amor, a criança vai aos poucos se dando conta de que não é, para a mãe, tudo o que a preenche e satisfaz. A mãe possui outros amores: o marido, outros filhos, o trabalho, os cuidados consigo mesma... Quebra-se a certeza, quase onipotente da criança, de que ela possuía da mãe um voto de amor exclusivo, de que ela era "seu mundo inteiro". Instala-se a partir de então, um sentimento de decepção, a primeira marca de decepção da qual a criança tem notícia e a partir da qual estarão marcadas suas experiências posteriores. Seu amor (pela mãe) não foi correspondido da forma que a criança desejou.
A amizade entraria neste cenário, como um substituto deste amor não correspondido. Daí sua exigência será a de reciprocidade, de correspondência. Neste sentido, a psicanalista Danièle Brun comenta que esta exigência de reciprocidade em relação à amizade é o que a diferencia do amor. Afinal, podemos amar sem sermos amados, mas "não há como ser amigo de alguém que se recusa a sê-lo".
A amizade também exige investimento no outro e é uma exigência da vida psíquica. Fora do círculo familiar, vamos buscar outros vínculos, estabelecer relações em que se possam partilhar problemas e, em alguns momentos, até mesmo a solidão; vamos fazer outras escolhas, inventar um mundo novo, apesar dos percalços, traições e decepções que elas possam acarretar.
A exigência de reciprocidade na amizade é, em outras palavras, uma tentativa de, ilusoriamente, nos garantir de que o amor investido não estará de novo perdido ou que, pelo menos, possa ser reencontrado/reinvestido, num outro laço, num novo amigo. Assim, a amizade é um vínculo complexo e sofisticado, e é própria de seres humanos com capacidade de empatia e personalidade equilibrada. Os psicopatas, os perversos, os insuficientemente maduros não sabem sustentar uma amizade verdadeira. Ou seja, amigo, mas amigo mesmo, tem a ver com qualidade e nada a ver com quantidade.

Leila Cristina dos Santos Veratti
Psicanalista
*texto publicado no Jornal de Jundiaí - Caderno Estilo - de 06/02/11