segunda-feira, 26 de abril de 2010


Análise Institucional: uma clínica psicanalítica
Freud nunca negligenciou a técnica psicanalítica e se ocupou dela ora em momento específico de sua escrita, ora de maneira diluída nas análises de casos clínicos e nas considerações conceituais.
Podemos verificar na elaboração teórica freudiana a marca do privilégio da escuta do sofrimento psíquico em sua excentricidade. As perguntas que chegavam da clínica o faziam pensar e repensar analiticamente, não constituindo somente um espaço de mera aplicação do já conceitualizado. O refazer teórico característico da obra freudiana, ainda hoje, propicia a existência de perspectivas de conceber a prática analítica como um campo de investigação e tratamento não homogêneo.
Acreditamos fundamental a recriação da psicanálise em cada possibilidade de escuta do sofrimento em seus aspectos singulares e coletivos, e daí abordamos possibilidades clínicas que extrapolam a prática de consultório – individual.
A Análise Institucional, uma abordagem que desenvolve um conjunto de conceitos e instrumentos para a análise e intervenção nas instituições, surgiu no Brasil nos anos 70, congregando os mais diferentes tipos de profissionais. A expressão análise institucional não tem um sentido único, pois na realidade, ela se constituiu a partir de um conjunto de disciplinas e movimentos que ocorreram na sociedade francesa, a partir dos anos 40 e 50.
Consideramos a "análise institucional" e a "socioanálise", de tradição dialética, originadas, sobretudo das obras de René Lourau e Georges Lapassade, e, de outro lado, a "esquizoanálise", inspirada na filosofia da diferença, relacionada a Félix Guattari e Gilles Deleuze.
Utilizamos a Análise Institucional como um recurso para atuar/intervir no interior de instituições, apoiada na referência psicanalítica, fazendo uma articulação com conceitos da análise institucional que se demonstraram potentes para o entendimento dos elementos do imaginário social atravessadores das práticas institucionais. Trata-se de considerar a saúde mental coletiva da instituição, o que significa examinar a presença de processos grupais dentro do psiquismo individual, ou seja, é possível analisar o discurso de um grupo como uma cadeia de associações onde se produzem diversos mecanismos psíquicos como são os deslocamentos, a condensação entre outros e fantasias referentes àquilo que suscita o encontro grupal.
A cura é pela fala, e permitir um grupo falar ou discursar sobre si mesmos, ou falar sobre as relações de trabalho, o dia a dia, tem uma função terapêutica dentro de uma instituição seja esta de cura, pedagógica ou de prestação de serviços. A psicanálise neste tipo de intervenções vai ao encontro de uma demanda e poderá haver um ato analítico se houver um profissional escutando e interpretando um grupo ou uma equipe discursando livremente. O grupo que descrevo aqui tem como tarefa, falar tudo aquilo que quiserem, referido de preferência ao trabalho, ao dia a dia, as relações entre colegas, com chefias, entre eles e outros setores da empresa. Em síntese falar tudo aquilo que quiserem sobre o cotidiano no trabalho. O importante é que este grupo analítico tem como finalidade realizar uma "cura" ou desvencilhar os processos inconscientes ou descobrir a origem das dificuldades.
O grupo analítico é um trabalho dentro do espaço institucional, organizacional e empresarial aonde o "discursar sobre o dia a dia de trabalho" permite elaborar as relações de trabalho, aprender a reconhecer as próprias limitações, encontrar um sentido a própria dificuldade, aceitar as diferenças, reconhecer o outro.
O trabalho psicanalítico dentro de uma instituição, portanto, não se limita ao espaço íntimo do encontro analítico com o paciente e nem um pouco o reproduz em “grupo”. É necessário pensar e refletir alguns aspectos específicos do quadro estabelecido pela e com a instituição. Como cada instituição apresenta suas próprias normas e leis de funcionamento, torna-se extremamente complexo o estudo dos vínculos institucionais. E, além disso, cada instituição vai constituindo, ao longo de sua história, posições fantasmáticas em relação à população que atende, ao redor do material que trabalha. Nessa relação, a instituição se encontra numa tensão permanente entre a separação e a alienação à imagem que constrói de seus clientes/usuários. Essa imagem, que regula as relações entre os agentes institucionais e seus clientes, está alicerçada numa construção social mais ampla, onde encontramos influências de todo tipo: históricas, políticas, estéticas, midiáticas, etc., que funcionam como poderosos obturadores à possibilidade do encontro singular, à emergência de um sujeito, a uma lógica discursiva que aponta para a alteridade, para a produção de diferença.
Em 1930, Freud ressalta no seu trabalho “O mal estar na civilização” que o futuro da humanidade depende de como os homens enfrentam as perturbações coletivas. A psicanálise pode contribuir imensamente ao oferecer um espaço de elaboração da realidade psíquica mobilizada ou sustentada pelas instituições. A oportunidade de analisar e refletir sobre as dificuldades humanas no enfrentamento da realidade de uma instituição/empresa/organização, pode viabilizar as elaborações necessárias ao nosso próprio futuro.
DAISY MARIA RAMOS LINO
Psicanalista, Analista institucional e Responsável Técnica TRIEP