quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A vida por uma corda


As cenas dramáticas do resgate da Sra. Ilair, (veja http://www.youtube.com/watch?v=G1n7hvM3i2A ) moradora de São José do Vale do Rio Preto, na Região Serrana do Rio de Janeiro, no último dia 12/01, sensibilizou a todos e “correu” o mundo. Impossível, a partir dessas cenas, não pensar na incrível pulsão de vida desta mulher que apesar da idade, de ser fumante desde os nove anos, de nunca ter realizado nenhum tipo de nó em corda, se agarrou a única chance de viver.
Viver é perigoso, mas a esperança é um princípio vital. Agarrada a corda, Ilair intensamente esperançosa, recusou o domínio da realidade e sonhou com mais e melhor.

Sonho aqui não significa devaneio inútil ou delírio; mas o lugar do desejado, ansiado, querido. Pois, podemos compreender a esperança como produtora de futuro e aniquiladora da dureza de existir.
Porém, para alimentar a esperança é preciso do cuidar. O cuidar está na origem do ser humano e não é apenas um começo temporal. O cuidar é o que dá forma a criatura humana, que é corpo e espírito, e se torna responsável por ela enquanto viver. É o cuidado que humaniza e dá o contorno humano.
O psicanalista americano Rollo May comentando a civilização moderna, disse: “Nossa situação é a seguinte: na atual confusão de episódios racionalistas e técnicos perdemos de vista e nos despreocupamos do ser humano; precisamos agora voltar humildemente ao simples cuidado...”
Na Austrália choveu muito mais que na Região Serrana do Rio de Janeiro, mas lá diferente daqui faleceram somente dezenove pessoas contra mais de seiscentos dos nossos. Porque lá, diferentemente daqui, se dá maior centralidade ao cuidado do ser humano. E isso fez toda essa diferença!
Dar centralidade ao cuidado significa renunciar. Renunciar a vontade de poder que reduz tudo a objetos; impor limites à obsessão pela ganância a qualquer custo; colocar o interesse coletivo da sociedade acima do eu – narcísico...
Em nossa sociedade capitalista, competitiva, na qual a frieza perpassa as relações humanas, não é de estranhar que o modo de entender o cuidado tenha ficado reduzido ao cuidado com o corpo, negando a dimensão do eu e o outro. Não se entende o cuidado como atenção e reconhecimento das necessidades – próprias e do outro – e não se dá a devida importância no compartilhar essas necessidades para que possam ser percebidas. Não se trata de incentivar a compreensão entre as pessoas, mas combater a indiferença diante do sofrimento alheio.

Nossa sociedade está enferma. Produz má qualidade de vida para todos, seres humanos e demais seres da natureza.
Vivemos em concentrações urbanas com inacreditável densidade populacional e ao mesmo tempo nos sentimos sozinhos. O termo solidariedade vem de “solidez”, daquilo que consolida e dá firmeza à vida coletiva, enquanto solidão está atada a ideia de ser e ou estar “por si mesmo”, em isolamento. Não seria a solidão isolante sintoma do narcisismo inesgotável?
A Sra. Ilair disse em entrevista a um canal de televisão que “pediu aos vizinhos que não a deixassem morrer” e que “queria viver para cuidar de seus filhos”.



E você, que vida quer viver? Como cuida de si mesmo e dos outros?



Daisy Maria Ramos Lino
Psicanalista e analista institucional



*texto publicado no Jornal de Jundiaí - Caderno Estilo - de 23/01/11