quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Feliz Tempo Útil!
*texto para o Caderno Estilo do Jornal de Jundiaí


Daqui a poucos dias estaremos oficialmente em 2010! Os comentários sobre a rapidez da passagem do ano anterior sempre traz a ideia de que o tempo, traiçoeiramente, novamente nos pegou de surpresa. O tempo passa e deixa uma sensação que não deu tempo... Algo faltou por fazer, por alcançar.
Como será a nossa relação com o tempo na atualidade? Sim, porque a pressa não é mais inimiga da perfeição e devagar não se vai mais ao longe. Não temos mais tempo! Cada dia levantamos mais cedo e vamos dormir mais tarde, com a impressão que ou o dia deveria ser mais extenso ou não soubemos nos organizar. Preocupa-nos coisas como: vai demorar em aprender isso? A leitura do livro é demorada? Demora a fazer esta comida? Fazer terapia é demorado? Então, não se pode querer. Tem alguma coisa estranha nessa aceleração toda. A vida não é mais um percurso, mas uma correria.
O fenômeno característico da atualidade é a exagerada aceleração do cotidiano e a velocidade com a qual as alterações se processam. Nessa correria o urgente não deixa tempo para o importante, e temos daí um efeito colateral naquela que deveria ser a marca humana: a capacidade de reflexão e consciência. Essa capacidade, sob o efeito da correria, no esgotamento fica sem condição para persistir, combater, pensar e, assim, não evita o amortecimento dos sentidos e dos sonhos pessoais. Afinal, o corpo e a mente se vêem frente a verdadeiros ataques imperativos: várias medicinas, tantas dietas, muitas ordens da moda e do consumo com repreensões da mídia; corpo e mente que carecem cada dia mais, de horas de sono, de lazer e de sossego.
Vive-se de forma desesperada, ansiosamente, principalmente os jovens, mas não só eles. Por exemplo, na lógica de “aproveite a vida” não importa se para acelerar ou intensificar isso se consuma substâncias ou bebidas alcoólicas. “Aproveite a vida” pode até ser uma mensagem positiva, mas não se dá tempo para conhecer o outro. Exemplo? Não se conversa mais (conversar?), o negócio é “ficar” e o tempo supostamente bem gasto se mede pelo número de “ficadas”. O ser humano é um ser capaz de dizer não às tentativas de sequestro da sua subjetividade, então o que acontece? Há recusa da realidade nas psicoses, e vemos a ideia de recusa se expandindo, tornando-se possível falar de recusa do tempo.
A recusa do tempo ocupa um lugar importante na dinâmica psíquica das neuroses, com configurações particulares nos vários quadros neuróticos. Freud em seu texto “Sobre a transitoriedade”, de 1914, fala do sentimento de inconformismo diante da constatação de que tudo está fadado à transitoriedade, a mortalidade, logo nossa própria existência está aí compreendida. A exigência de imortalidade, como produto do desejo, não pode reivindicar seu direito à realidade. No entanto, ela persiste no mundo mental como fruto da recusa.
Frente ao fenômeno da implacabilidade do tempo, faz-se “negociatas” com o imponderável e imagina-se que se pode burlar a falibilidade do corpo. E além das diversas buscas de intervenções no corpo para “parar” o tempo, a passagem do tempo impregna-se e encarna-se na imagem do outro que no envelhecimento torna-se descartável e é “trocado por duas (ou dois) de vinte”. A problemática do tempo possui diversas faces e diversos graus de gravidade. Na neurose e em certos quadros de ansiedade o melhor é falarmos em uma “luta” contra o tempo. Mas o fato é que o fator tempo está no âmago da angústia humana em geral. É uma das suas agruras. Citando Jean de la Bruyère (1645-1696) ensaísta francês: “Aqueles que gastam mal o seu tempo são os primeiros a queixar-se de sua brevidade”.

Desejo a você, caro leitor, um feliz tempo útil! Tempo útil é aquele que se usa e não se perde. Saber ocupar o tempo, o tempo da vida é inventar. E inventar pode ser refazer, recriar... Lembrar o que já se foi para orientar o desejo daquilo que virá. Ser o senhor da sua vida.

Daisy Maria Ramos Lino