segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Alguns Encontros

A clínica de Freud caminha. Paralelamente, caminham também suas teorias, obrigando-o a rever pontos de seus escritos. Da mesma forma, o analisando chega repleto de teorias construídas ao longo de sua vida e se propõe então a rever muitas delas no percurso de sua análise.
Dentro dessa proposta o analisando encontra novos significados à sua história e seu discurso passa a nomear suas angústias dando suporte maior à sua subjetividade, por vezes abandonada ao sintoma. Se conhecer melhor para a Psicanálise é dar significado a trechos onde antes só existia um significante. Tornando-se possuidor desses significados, além de ser explicitado o que é seu e o que é do outro, delimita-se um Eu separado do outro.
Nenhuma novidade em dizer que a clínica é invadida pela vida e espera-se que enigmas que ali surjam incitem a reflexão para fora do setting.
Somos instruídos a falar o que nos venha à cabeça e uma das minhas associações livres, “iniciou-se”, não por acaso, quando parei em um café antes da sessão de minha análise pessoal. Descubro que a moça que ali trabalha, me confundiu, dias atrás, com outra pessoa para a qual trabalha depois do expediente. De fato, antes dessa ocasião ela havia falado comigo, que pouco a conhecia, sobre sua ausência de dois dias no trabalho, por conta de um exame médico. Estranhei a intimidade da fala, porém nada perguntei. Frente à confusão que tinha repercutido em uma falta supostamente avisada mais endereçada à pessoa errada, rimos e fui para análise.
Na sessão, comunicando mais do que sabia – “sabe sem saber que sabe”, dizia Freud – esclareço como em diversas situações vou-me “confundindo” ao outro e as influências disso em minhas escolhas. No meu silencio frente ao enigma da fala dessa quase desconhecida nada perguntei, me “deixo” passar por esse outro ao não questionar esclarecimentos.
Comento, depois da sessão de análise: “Pior que pensarem que você é outra pessoa é se pensar que é outro, por
que daí é coisa de maluco”. A caricatura clássica do louco que diz ser Napoleão aparece na minha mente, e me fica clara a dimensão do conflito do neurótico em relação à entrega do psicótico.
Da mesma forma como as crianças levam a sério seus jogos, faz também os escritores criativos, nos aponta Freud. O louco também se entrega a sua “causa”, apenas seu arranjo psíquico não leva em conta o princípio de realidade. Ora, é o princípio de realidade que sempre nos remete a castração. Nossa criança, nossa onipotência infantil, quer um lugar de glória a qualquer preço. Por sorte a organização psíquica do neurótico se sustenta com um conflito, mas com os psicóticos é diferente, não se submeteram à lei paterna.
Para aprender uma ciência é preciso se submeter às leis da mesma. Assim, como a maçã já caía antes de Newton, foi ele quem equacionou a gravidade e trouxe luz à física que a partir de então pode se desenvolver baseada em uma lei; também os homens já viviam seus conflitos antes de Freud, este sistematizou o funcionamento psíquico e propôs uma maneira de tratá-lo.
Se Freud foi o pai da psicanálise e tomarmos a histeria como quem a pariu, se entregar aos sedutores convites feitos ao nosso narcisismo que aparecem na clínica é passar por cima da lei paterna, é nos tornarmos psicóticos caso disso não nos dermos conta ou perverso caso daí se extraia algum gozo.
Por fim, não se busca um psicanalista sem voz própria, incapaz de pensar, de criar e contestar. Graças a essa postura é que a Psicanálise pode caminhar desde Freud, mas sempre prestando contas à lei paterna, que nos impõe entre outras coisas a postura investigativa que deve prevalecer sobre qualquer tentação dogmática que possa surgir durante o percurso. Suportar o luto de ver teorias, sejam elas sobre o entendimento de determinado ponto teórico, sejam sobre os analisandos ou sobre si, serem abandonadas para privilegiar a verdade do sujeito, é uma das garantias de que estamos no caminho que torna possível a Psicanálise.

Gustavo Florencio Fernandes

3 comentários:

Daisy Lino disse...

Gustavo,
Repito aqui o que já disse em outro lugar: interessante seu texto e é muito bom acompanhar como você se apropria desse lugar de cientista.

Bjs

Unknown disse...

Obrigado Daisy, conto com sua ajuda.
Bj
Gustavo

Tati Wan disse...

Florêncio,

Parabéns não só por este texto mas por todos que vc postou aqui no blog, e mais do que isso obrigada por ter me apresentado ao blog. Apesar de não ter conhecimento em psicanalise eu me interesso muito no assunto.

Parabens meu psicanalista de longas viagens!