quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Meu corpo não é meu corpo,
é ilusão de outro ser.
Sabe a arte de esconder-me
e é de tal modo sagaz
que a mim de mim ele oculta.
Meu corpo, não meu agente,
meu envelope selado,
meu revólver de assustar,
tornou-se meu carcereiro, me sabe mais que me sei.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, "As contradições do Corpo",
in Corpo novos poemas

Anorexia, bulimia e a psicanálise

Na manhã do último dia 25 de setembro, sob o título: “A problemática alimentar, o corpo e a feminilidade”, falei sobre anorexia e bulimia. Esse tema deu início às “Atualizações em Psicanálise” promovido pelo TRIEP.
Para transmitir os fundamentos e princípios norteadores de meus estudos sobre anorexia e bulimia disparados pelas inquietações da clínica priorizei, no que diz respeito à teoria psicanalítica, o arcaico: o investimento libidinal realizado pela mãe junto ao seu bebê.
Fiz essa escolha por entender que a consideração que o sujeito dará ao seu próprio corpo e sua constituição em um ser desejante dependerá do investimento que a mãe operou no seu corpo, é a fase do auto-erotismo.
Além de que, é nesta fase que a função alimentar exerce um papel importante de apoio às instâncias reguladoras da vida psíquica.
Quando falamos deste investimento entendemos que a mãe age a fim de conter o quê aflige o corpinho do bebê no que se refere ao acúmulo de excitações provenientes de fontes internas e externas.
A mãe exerce, também, uma mediação entre o bebê e o mundo externo, supondo neste, mais do que demanda de alimento, nomeando vai transformando este “corpo de sensações” num “corpo falado”.
Nos relatos de pacientes anoréxicas, bulímicas e na literatura a respeito encontramos uma mãe que domina a cena familiar, que não dirige seus desejos para outros objetos, o que não permite a entrada do pai em cena. E, também, uma mãe que não suporta o afastamento da filha quando isso seria imprescindível no processo de construção da identidade.
Já, as pacientes anoréxicas, por exemplo, não percebem seu emagrecimento com risco de morrer e, tanto essas quanto as bulímicas, não conseguem reconhecer e nomear o quê sentem, seja dor, fome ou se quer falar de seus sentimentos. Portanto podemos dizer que estamos diante de falhas num período primordial da vida destas pacientes.
Destaquei na minha transmissão os tópicos: sociedade contemporânea e subjetivação na mulher para buscar compreender através da psicanálise questões como: o corpo colocado em evidência e a maior incidência de anorexias e bulimias na mulher adolescente/jovem adulta comparada ao adoecimento nos homens.
Trabalhei a limitação das descrições e classificações dos manuais psiquiátricos frente a singularidade que as dimensões subjetivas podem tomar nas histórias de vidas de nossos pacientes.
Apresentei a anorexia e bulimia como sintomas que podem estar presentes nos mais variados quadros psicopatológicos, sejam eles de ordem neurótica ou psicótica; e que, como sintomas, tem a função de uma tentativa de sobrevivência psíquica perante a situação conflitiva, neste caso, a tentativa de construção de uma outra feminilidade diferente do modelo materno.
Muito interessante foi a discussão que se seguiu com a colocação do público presente que trouxe questões técnicas como: o uso do divã, sobre a organização psíquica da mãe dessas pacientes e a simbiose entre as duas, sobre as convocações do analista à atuações, sobre o analista fazendo o papel de terceiro, entre outras.
Enfim, como Freud continuou a desenvolver a teoria em decorrência das limitações impostas pelos impasses vividos na sua clínica, nós psicanalistas, perante as queixas relacionadas ao comportamento alimentar que motivam a procura de análise e frente a tantas outras formas de sofrimento psíquico priorizadas na atualidade, nos sentimos impulsionados em nossos estudos a refletir a respeito dos princípios teóricos, técnicos e metodológicos da psicanálise para encontrar um lugar de escuta mais fértil para a especificidade desses fenômenos clínicos.

Patrícia Merli Macieira Matalani
Psicanalista







2 comentários:

Unknown disse...

Acho muito bom ter espaço para circulação de ideias e reflexões clínicas que sempre renovam a prática analítica.
Parabéns a todos do TRIEP por essa iniciativa e promoção de debates.
Pensar numa aposta de uma escuta para além de um olhar puramente biológico do corpo é constatar o quanto é importante o investimento libidinal na constituição de um psiquismo. Nesse sentido, a contribuição da psicanálise se faz presente continuamente na prática clínica, promovendo uma escuta para o que muitas poderia ser encarado como "doença". Mais do que isso, trata-se, para o paciente, de uma tentativa de se fazer ouvir de um outro lugar do habitual, o de poder ser ouvido como um sujeito em sua particularidade, e não somente como um pessoa portadora de um corpo "fora das medidas" ou do padrão.

Anônimo disse...

Fabiana,

a psicanalise promove uma ruptura quando escuta este sofrimento no corpo para alem do olhar.
Agradeço sua participaçao neste rico compartilhar de ideias,

Patricia.